sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Reportagem da Exposição no " Mensagens Aguiarenses"



" Flora de Brincadeiras" é um espanto



O autor chama-se João Pinto Vieira da Costa. Nasceu em 1960 no concelho de Torre de Moncorvo [rectifico para Marco de Canaveses]. É licenciado em Línguas e Literaturas Mo­dernas (Estudos Portugueses), pela Universidade do Porto e é professor, em Vila Real. Tam­bém é poeta, contista e cronis­ta. Já publicou "Contos de Ro­dapé", "Alpendurada e Matos, Península de História" e "Ga­tafunhos, Contos e Crónicas". Mais recentemente, escreveu "Flora de Brincadeiras", docu­mentando pela escrita aquilo que, de forma surpreendente, faz: brinquedos inesperados que nos fazem regressar à época em que eles, os brinque­dos, eram criados a partir de objectos do quotidiano, pelas crianças que não tinham à sua disposição a panóplia de lojas que hoje há, para comprar já feito e gastar dinheiro em pe­ças menos pedagógicas e di­dácticas que acabam por can­sar, ao fim de pouco tempo.
Mas os brinquedos que João Pinto Vieira da Costa constrói são eternos. Quando não ha­via legas nem consolas, nem sequer a "Chicco" nem a "Toys 'r Us" ou. a "Centroxogo", mui­to menos as grandes superfí­cies comerciais que deliciam os olhos das crianças e dão cabo das carteiras dos papás, as crianças brincavam muito mais, de forma mais divertida, por improvisada e criativa. Os seus brinquedos eram feitos do que havia: uma casca de noz, um vime, uma rolha de cortiça, uma carica, o cano­co de um milheiro, uma raiz, a vareta de um guarda-chuva desfeito pelo vento, uma pi­nha, um botão velho, um pe­daço de arame, um arco de pipa velha abandonada, um ramo de árvore em Y, até uma meia em desuso que era cheia de palha e cosida na ponta, fazendo uma bola com que se jogava futebol.
Não admira que essas prá­ticas (como a generalidade dos jogos populares) tivessem desaparecido, no avançar dos tempos em que o consumo cresceu e tomou conta de nós, através de cada vez mais atra­entes e agressivas campanhas de "marketing" e de publicida­de. O que admira é que, nos tempos de hoje, haja quem te­nha a arte e o engenho de criar novos brinquedos a partir de pedaços de madeira, de restos de plantas, de fios e arames ve­lhos, de folhas, de ramos e fru­tos secos, tudo material que já foi e que revive, espantosa­mente, por um simples gesto manual que os transforma em objectos que dá prazer ver e, muito mais, tocar na ponta dos dedos.
Uma colecção de objectos desses está exposta na sala po­livalente da Biblioteca Muni­cipal de Vila Pouca de Aguiar. No chão, em mesas e nas pa­redes.
Razão teve o inesquecível António Cabral que destas coisas percebia como pou­cos, ao referir, no prefácio do livro "Flora de Brincadeiras", iniciando-o, que "O regresso à Natureza começa a ter-se como um regresso ao Para­íso. Felizmente, digo, com a certeza de que quanto mais o homem se afasta do seu meio natural menos possibilidades tem de se encontrar a si pró­prio, como alguns pós-mo­dernistas já perceberam, de­siludidos com o optimismo da civilização industrial, embora também eles, avessos a siste­mas doutrinais, tenham caído num certo desnorte, vivendo a errância intelectual, numa or­fandade de valores, alguns dos quais foram, porventura, fácil e impensavelmente configura­dos. Que o regresso à Nature­za não seja apenas uma fuga, mas uma necessidade, como as crianças nos ensinam, se lhes dermos condições para isso".
E a verdade é que, reconhe­cidamente, "a necessidade faz o engenho". Foi por essa ne­cessidade que já se brincou com aquilo que, de forma gra­tuita e fantástica, a Natureza nos dá. E que João Pinto Vieira da Costa nos faz (re)descobrir, de maneira tão bela como des­concertante.
Esta exposição é um espan­to. Não perca a oportunidade de ir lá vê-la, até ao final do ano.


Agostinho Chaves, in Mensagens Aguiarenses, 9/12/2008