" Flora de Brincadeiras" é um espanto
O autor chama-se João Pinto Vieira da Costa. Nasceu em 1960 no concelho de Torre de Moncorvo [rectifico para Marco de Canaveses]. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses), pela Universidade do Porto e é professor, em Vila Real. Também é poeta, contista e cronista. Já publicou "Contos de Rodapé", "Alpendurada e Matos, Península de História" e "Gatafunhos, Contos e Crónicas". Mais recentemente, escreveu "Flora de Brincadeiras", documentando pela escrita aquilo que, de forma surpreendente, faz: brinquedos inesperados que nos fazem regressar à época em que eles, os brinquedos, eram criados a partir de objectos do quotidiano, pelas crianças que não tinham à sua disposição a panóplia de lojas que hoje há, para comprar já feito e gastar dinheiro em peças menos pedagógicas e didácticas que acabam por cansar, ao fim de pouco tempo.
Mas os brinquedos que João Pinto Vieira da Costa constrói são eternos. Quando não havia legas nem consolas, nem sequer a "Chicco" nem a "Toys 'r Us" ou. a "Centroxogo", muito menos as grandes superfícies comerciais que deliciam os olhos das crianças e dão cabo das carteiras dos papás, as crianças brincavam muito mais, de forma mais divertida, por improvisada e criativa. Os seus brinquedos eram feitos do que havia: uma casca de noz, um vime, uma rolha de cortiça, uma carica, o canoco de um milheiro, uma raiz, a vareta de um guarda-chuva desfeito pelo vento, uma pinha, um botão velho, um pedaço de arame, um arco de pipa velha abandonada, um ramo de árvore em Y, até uma meia em desuso que era cheia de palha e cosida na ponta, fazendo uma bola com que se jogava futebol.
Não admira que essas práticas (como a generalidade dos jogos populares) tivessem desaparecido, no avançar dos tempos em que o consumo cresceu e tomou conta de nós, através de cada vez mais atraentes e agressivas campanhas de "marketing" e de publicidade. O que admira é que, nos tempos de hoje, haja quem tenha a arte e o engenho de criar novos brinquedos a partir de pedaços de madeira, de restos de plantas, de fios e arames velhos, de folhas, de ramos e frutos secos, tudo material que já foi e que revive, espantosamente, por um simples gesto manual que os transforma em objectos que dá prazer ver e, muito mais, tocar na ponta dos dedos.
Uma colecção de objectos desses está exposta na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Vila Pouca de Aguiar. No chão, em mesas e nas paredes.
Razão teve o inesquecível António Cabral que destas coisas percebia como poucos, ao referir, no prefácio do livro "Flora de Brincadeiras", iniciando-o, que "O regresso à Natureza começa a ter-se como um regresso ao Paraíso. Felizmente, digo, com a certeza de que quanto mais o homem se afasta do seu meio natural menos possibilidades tem de se encontrar a si próprio, como alguns pós-modernistas já perceberam, desiludidos com o optimismo da civilização industrial, embora também eles, avessos a sistemas doutrinais, tenham caído num certo desnorte, vivendo a errância intelectual, numa orfandade de valores, alguns dos quais foram, porventura, fácil e impensavelmente configurados. Que o regresso à Natureza não seja apenas uma fuga, mas uma necessidade, como as crianças nos ensinam, se lhes dermos condições para isso".
E a verdade é que, reconhecidamente, "a necessidade faz o engenho". Foi por essa necessidade que já se brincou com aquilo que, de forma gratuita e fantástica, a Natureza nos dá. E que João Pinto Vieira da Costa nos faz (re)descobrir, de maneira tão bela como desconcertante.
Esta exposição é um espanto. Não perca a oportunidade de ir lá vê-la, até ao final do ano.
Mas os brinquedos que João Pinto Vieira da Costa constrói são eternos. Quando não havia legas nem consolas, nem sequer a "Chicco" nem a "Toys 'r Us" ou. a "Centroxogo", muito menos as grandes superfícies comerciais que deliciam os olhos das crianças e dão cabo das carteiras dos papás, as crianças brincavam muito mais, de forma mais divertida, por improvisada e criativa. Os seus brinquedos eram feitos do que havia: uma casca de noz, um vime, uma rolha de cortiça, uma carica, o canoco de um milheiro, uma raiz, a vareta de um guarda-chuva desfeito pelo vento, uma pinha, um botão velho, um pedaço de arame, um arco de pipa velha abandonada, um ramo de árvore em Y, até uma meia em desuso que era cheia de palha e cosida na ponta, fazendo uma bola com que se jogava futebol.
Não admira que essas práticas (como a generalidade dos jogos populares) tivessem desaparecido, no avançar dos tempos em que o consumo cresceu e tomou conta de nós, através de cada vez mais atraentes e agressivas campanhas de "marketing" e de publicidade. O que admira é que, nos tempos de hoje, haja quem tenha a arte e o engenho de criar novos brinquedos a partir de pedaços de madeira, de restos de plantas, de fios e arames velhos, de folhas, de ramos e frutos secos, tudo material que já foi e que revive, espantosamente, por um simples gesto manual que os transforma em objectos que dá prazer ver e, muito mais, tocar na ponta dos dedos.
Uma colecção de objectos desses está exposta na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Vila Pouca de Aguiar. No chão, em mesas e nas paredes.
Razão teve o inesquecível António Cabral que destas coisas percebia como poucos, ao referir, no prefácio do livro "Flora de Brincadeiras", iniciando-o, que "O regresso à Natureza começa a ter-se como um regresso ao Paraíso. Felizmente, digo, com a certeza de que quanto mais o homem se afasta do seu meio natural menos possibilidades tem de se encontrar a si próprio, como alguns pós-modernistas já perceberam, desiludidos com o optimismo da civilização industrial, embora também eles, avessos a sistemas doutrinais, tenham caído num certo desnorte, vivendo a errância intelectual, numa orfandade de valores, alguns dos quais foram, porventura, fácil e impensavelmente configurados. Que o regresso à Natureza não seja apenas uma fuga, mas uma necessidade, como as crianças nos ensinam, se lhes dermos condições para isso".
E a verdade é que, reconhecidamente, "a necessidade faz o engenho". Foi por essa necessidade que já se brincou com aquilo que, de forma gratuita e fantástica, a Natureza nos dá. E que João Pinto Vieira da Costa nos faz (re)descobrir, de maneira tão bela como desconcertante.
Esta exposição é um espanto. Não perca a oportunidade de ir lá vê-la, até ao final do ano.
Agostinho Chaves, in Mensagens Aguiarenses, 9/12/2008